Aqui fica um trecho do interessante (e divertido) texto que o poeta João Luís Barreto Guimarães escreveu para os Duetos Improváveis - Palavras que se Cruzam na Poesia, evento que teve lugar no passado dia 5 de maio, na Feira do Livro de Lisboa, no qual participei.
"As semelhanças entre a “Poesia” e “Palavras Cruzadas” não são tão ténues quanto à partida podem parecer, o que torna este dueto mais do que improvável, possível. Quem nunca se entregou minutos a fio a uma grelha de palavras cruzadas, procurando le mot juste, como um poeta procurando a palavra em falta no poema?
Devo dizer ao Paulo, e aos leitores que têm a amabilidade de nos estar a ouvir, que na minha opinião as potencialidades das palavras cruzadas não ficam nada a dever às da poesia, e conseguem inclusive coisas que a própria poesia, com todos os seus recursos estilísticos não consegue. Apenas um exemplo: como todos sabem, a metáfora é uma figura de estilo que consiste na comparação de dois termos sem o uso de um conectivo. E – isto até pode parecer perseguição da minha parte, - mas não me ocorre uma boa metáfora que consiga relacionar em poesia, por exemplo, as expressões “Vítor Gaspar” e “abundância”. Simplesmente não me ocorre. A tanto não chega nem a minha criatividade, nem a minha inspiração. Mais depressa encontraria um verso que relacionasse o vocábulo “Noruega” com a palavra “abundância”, ou a expressão “Vitor Gaspar” com “estamos fritos”.
Mas imagino que o Paulo, sem grande esforço, os consiga relacionar, simplesmente cruzando um dos “a” de “Gaspar” com um dos “a” de “abundância”, ou mesmo cruzando o “i” de “Vitor” com o “i” de “abundância”. Este simples exemplo bastaria para provar que as palavras cruzadas podem coisas que a própria poesia não pode. Ainda por cima em forma de cruz, símbolo esse tão ao gosto da poesia visual, da poesia concreta, algo que metaforicamente transmitiria ao leitor a imagem daquilo que por estes dias de crise cada um de nós transporta às costas.
Mas a poesia, por sua vez, também não deixa de piscar o olho às Palavras Cruzadas, por exemplo, nos chamados poemas acrósticos que são, nem mais nem menos, aqueles poemas onde as primeiras letras de cada verso, se lidas na vertical, formam uma palavra ou frase com a qual se pretende sublinhar um mote - ou esconder uma mensagem secreta, - por exemplo, o nome da amada a quem é secretamente dedicado o poema.
Devo confessar que antes de vir para cá, estive a semana inteira a reler esse curioso hebdomadário chamado Diário da República para tentar perceber se a primeira letra de cada um dos últimos 14 decretos-lei publicados pelo Ministério das Finanças nos últimos meses, quando lida sequencialmente, encerrava alguma mensagem subliminar, como fosse, por exemplo, uma dedicatória lírica do género:
“ D-O—V-I-T-O-R,—C-O-M—A-M-O-R. “
Devo confessar que fiquei um pouco desiludido ao constatar que não. É que, a estar lá escondida alguma mensagem, isso tornaria a coisa um pouco mais tolerável: o Dr. Vitor Gaspar ter aproveitado a primeira letra do incipit dos últimos 14 decretos-lei para, vá lá, um pouco timidamente (quase às escondidas), me ter “passado a mão pelo pelo”. Assim, sem essa dedicatória, considero que apenas me passou a mão."
Pode ler o texto completo no blogue da Quetzal.
Amplexos e ósculos!...
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